ANO DA FÉ E A LITURGIA

Palestra de Padre Carlos Augusto no III Encontro Summorum Pontificum de Belém.



O Ano da Fé e a Liturgia.


Com este tema damos início o nosso encontro deste ano. Uma vez que este ano o Santo Padre, o Papa Bento XVI, abrirá o Ano da Fé para toda a Igreja, por ocasião dos 50 anos do Concílio Vaticano II e os 20 anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica. O ambiente em que esse ano é convocado é um ambiente de crise de fé. Em nosso tempo vivenciamos uma grande crise de fé, verificamos essa crise em nossas comunidades paroquiais, nos nossos agentes pastorais e porque não dizer também em nossos padres e bispos. Antes que crie um espanto desnecessário explico-me: muito dessa crise de fé que vivemos é fruto de um processo alavancado por todo esse subjetivismo, materialismo, todos esses “ismos” que nas últimas décadas vêm tomando conta de nossas vidas, mesmo que não percebamos. O subjetivismo, por exemplo é muito perigoso para a vivência de nossa fé. Pois no colocamos como centro de toda realidade, quando o lugar do centro é de Deus. Ele é o centro de nossa vida. Essa realidade, por exemplo, vemos com muita facilidade nas Missas que são celebradas pelas nossas comunidades. Onde o Centro da celebração deixa de ser o Sacrifício Redentor da Cruz do Senhor, o Corpo e Sangue dele oferecidos para a nossa Salvação e passa a ser a Comunidade que Celebra, a celebração da Vida, do Povo, das Lutas, da Caminhada do Povo. Ora, o centro da Liturgia é o mistério de Cristo, Cristo é o Centro, para ele deve convergir toda a Ação Litúrgica, não para a Comunidade que celebra.

Essa situação parece ser mais comum do que parece, essa idéia se espalhou como “fogo em palha seca” em nossos cursos de “liturgia” nesses 50 anos pós concílio. Onde percebemos uma mudança do enfoque principal da Santa Missa, sob o pretexto de proporcionar, ou melhor, partindo de uma interpretação errada do que seria a “participação ativa dos fiéis” proposta pelo Sagrado Concílio, nós  testemunhamos em muitos lugares verdadeiras aberrações litúrgicas sendo cometidas. Se reduziu o Santo Sacrifício da Missa a uma mera reunião fraterna, valorizando exageradamente o aspecto da Eucaristia como Ceia em detrimento ao Sacrifício da Cruz que é  renovado em nossos altares.

Essa realidade nós percebemos também quando lançamos o olhar sobre a própria figura do sacerdote, que neste período pós-conciliar passa a ser chamado, preferencialmente, de presbítero. Encontramos muitas vezes ataques veementes à função sacerdotal. Em muitos lugares o padre assume meramente a função de organizador, animador da comunidade. Vimos espalhar-se por aí, a idéia do “padre inserido”. Alguns, de fato, inseriram-se tanto que deixaram de ser padres, abandonaram o ministério ou simplesmente perderam a dimensão espiritual de sua configuração ao Cristo Sumo e Eterno Sacerdote, o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas. Essa dimensão sacerdotal, (toco neste tema, pois considero importante como introdução à experiência por mim vivenciada e que em breve lhes relatarei.) não pode estar separada ou suprimida da vida do padre, o padre não pode subir ao altar simplesmente como quem vai cumprir uma obrigação. O sacerdote deve subir ao altar de Deus, como o Cristo que oferece de bom grado pela salvação das almas.

“Introíbo ad altare Dei, ad Deum qui laetificat iuventutem meam.” (Sl 42). “Subo ao altar de Deus, ao Deus que alegra a minha juventude”. No altar do Santo Sacrifício o Sacerdote deve encontrar alegria de sua vida, a realização de sua vocação, a completude de seu ser. O sacerdote, configurado ao Cristo, Sumo e eterno sacerdote. Participa, assim, da obra sacerdotal de Cristo, ou seja, a santificação dos homens e a perfeita glorificação de Deus. No Altar o Sacerdote realiza a plenitude de seu ministério, no altar deve começar e terminar toda sua ação pastoral, pois é a “Eucaristia a fonte e o ápice de toda a vida cristã”. (LG 11)

- EXPERIÊNCIA PESSOAL

Nessa reflexão lembro o texto da ordenação presbiteral, no momento em que o Bispo entrega ao neo-sacerdote o cálice com o vinho e a patena com o pão e diz:
“Recebe a oferenda do povo para apresentá-la a Deus. Toma consciência do que vais fazer e põe em prática o que vais celebrar; conformando a tua vida ao mistério da Cruz do Senhor.” (Pontifical Romano, Rito de Ordenação de um Presbítero, n. 163, pg. 131, Ed. Paulus, 2000.)

Se todos os sacerdotes tomassem consciência destas palavras, tantas coisas seriam diferentes. Começo então a narrar minha experiência pessoal no que diz respeito à Forma Extraordinária do Rito Romano. Nunca foi desejo deste sacerdote que vos fala celebra a Santa Missa na forma extraordinária, ou como chamávamos, a Missa Tridentina. Tudo aconteceu por Providência Divina e de minha parte, movido pela obediência e caridade pastoral. Tive três dias para aprender a celebrar a forma extraordinária, algumas dificuldades foram encontradas meu latim enferrujado, uma missa que só tinha visto uma única vez, o sacerdote que celebrava estava internado enfim, depois de muita correria e com o santo tremor e temor, no dia 25 de janeiro de 2009, às 11:00, na capela do Colégio Gentil Bittencourt, celebrei pela primeira vez a forma extraordinária do rito romano. Fui tomado de grande emoção, pois pela primeira vez senti algo diferente ao celebrar a missa, inconscientemente passei por uma auto-análise, percebendo que muitas vezes eu me fazia de centro na celebração, que tantas vezes enchia a celebração de cantos, orações, de barulho. E ali, naquela missa simples, sem barulho, num silêncio sagrado que me comovia, uma coisa era certa: a partir daquele dia meu sacerdócio tomou um novo rumo, minha forma de celebrar a Santa Missa tornou-se gradualmente mais sóbria, sem invenções, sem extravagâncias. Pude naquela ocasião, finalmente tomar consciência do que ia fazer e a pôr em prática o que ia celebrar. A mudança que começara pelo modo como celebrava a Santa Missa, agora começava a tomar corpo em todos os campos de minha vida. Comecei a ponderar melhor as coisas que chegavam aos meus ouvidos e a rever os ensinamentos que havia recebido confrontando-os com o ensinamento da Igreja. Passei a ser tomado por grande desejo de ser fiel aos ensinamentos da Igreja, não transmitir as minhas idéias ou opiniões, mas passar ao povo aquilo que a Igreja ensina. E toda essa mudança pessoal passou a ser sentida, também, em minha comunidade paroquial.

- EXPERIÊNCIA PASTORAL

 Sou Pároco desde, 18 de setembro de 2008, da paróquia Sta. Maria Goretti. Num bairro de periferia e muitas vezes colocado a margem da sociedade. Desde que cheguei ao Guamá disse que não admitiria que o Guamá fosse chamado de área de risco, ou área vermelha. Mas consagrei aquela terra como território Eucarístico. Toda essa realidade da crise de fé que nossa sociedade vive, senti com toda a força quando lá cheguei. A primeira missa que lá celebrei, encontrei 38 pessoas na igreja em pleno domingo. Percebi uma grande dificuldade de comprometimento do povo com a vida eclesial, salvo algumas santas exceções, que muito me ajudam no árduo trabalho de apascentar o Rebanho de Cristo. Mas, de fato, pude perceber a necessidade de agir de forma contundente. Escolhi, então, começar pela liturgia. Utilizando as homilias para dar alimento sólido ao nosso povo seguindo um caminho espiritual a cada domingo celebrado, buscando dar dignidade ao Sacrifício Eucarístico, organizando os instrumentos litúrgicos, restaurando alguns objetos, adquirindo outros. Mostrando que nós podemos e devemos celebrar com dignidade independente da realidade em estamos inseridos. Muitas vezes, alguns irmãos sacerdotes acham que respeitam o povo quando celebram com qualquer paramento, apenas de estola, celebram de qualquer jeito. Quando, na verdade, nosso povo percebe que é respeitado quando ele vê que a Santa Missa é celebrada com zelo, com carinho, com dignidade.

Então, começamos a dar passos de qualidade, no entanto, com muita prudência. Não podemos curar uma ferida causando outra. Fomos falando da dignidade do Santo Sacrifício da Missa. Em 2010, por ocasião do Ano Sacerdotal, após ter falado repetidas vezes sobre a função sacerdotal do padre na Santa Missa, fizemos a experiência de celebrar na Quinta-feira Santa, a Missa “In Coena Domini”, missa da Ceia do Senhor, “Versus Deum”, ou seja, o sacerdote e o povo voltados para o altar do sacrifício. Essa experiência repete-se a cada quinta-feira Santa. Passamos a utilizar uma cruz no Centro do altar voltada para o sacerdote, manifestando assim a centralidade de Cristo e não do sacerdote. No natal de 2011, falei da dignidade da Eucaristia e importância de reconhecermos com gestos concretos e visíveis nossa devoção eucarística, falei da comunhão na boca, falei da comunhão de joelhos e disse que aqueles que assim quisessem poderiam comungar de joelhos. Falei apenas uma vez, e grande tem sido a minha surpresa, hoje em dia, basta colocar o genuflexório na frente do presbitério que naturalmente as pessoas vão se ajoelhando para comungar. Tivemos, então, em fevereiro deste ano, um encontro de formação, em preparação ao Ano da Fé, em que estudamos na íntegra a Constituição Sacrosanctum Concilium. Deste curso participaram quase 200 pessoas. E naturalmente, as pessoas passaram a perceber que algumas coisas que são ensinadas por aí, em nome do Concílio, nunca foram nem sequer citadas Por ele.

Percebemos, portanto um novo Movimento Litúrgico se espalhando pelo mundo inteiro, a chamada Reforma da Reforma. Começamos a vivenciar as proposições do Concilio sendo postas em prática sem exageros, sem rupturas. A Igreja não nasceu na década de 60. A liturgia é um desenvolvimento harmônico e histórico, não podemos transformar a liturgia numa invenção pessoal, subjetiva. A liturgia não pode ser criada a minha imagem e semelhança. Percebemos que quando começamos a valorizar a liturgia como ela deve ser valorizada tudo passa a se transformar em nossa vida de fé. A Igreja acredita naquilo que reza e reza aquilo que acredita. Quando abrimos brechas, ou reduzimos o significado e valor da Liturgia, nós abrimos precedentes para a que também no que se refere a nossa fé, abramos precedentes e brechas para vivermos apenas aquilo que nos interessa. Então, verificamos uma grande bola de neve que vai crescendo e crescendo muitas vezes dentro de nossas comunidades católicas.

- ANO DA FÉ OPORTUNIDADE DE CONVERSÃO

A vivência do ano da Fé nos coloca diante da responsabilidade de reavivar a nossa Fé. Buscar conhecer a fé da Igreja e professá-la integralmente, conhecendo aquilo que a Igreja crê, nos poderemos então celebrar aquilo que nós cremos. É por aí que passa o viés da “participação ativa” proposta pelo Concílio, uma participação que passa, antes, pelo conhecer. Só amamos aquilo que conhecemos. O Ano da Fé nos chama a uma verdadeira conversão a Cristo Senhor. Coloca-nos como Cristãos Católicos convictos de nossa fé. Conhecer a historia da Igreja, conhecer a história da Liturgia, conhecer as verdades de Fé que a Igreja professa. Conhecer os documentos da Igreja, acompanhar os Documentos publicados pelo Santo Padre, etc. Enfim, sair de uma posição de acomodação para uma posição de ação efetiva.

A partir do motu próprio Summorum Pontificum, o Santo Padre, o Papa Bento XVI nos convida a buscar um mútuo enriquecimento. A não abandonar a riqueza histórica da Igreja. Como é bonito verificarmos o resgate de cantos litúrgicos tradicionais, temos um grande tesouro na musica sacra. Temos aqui em Belém a oportunidade de conhecer a Missa na sua forma extraordinária, celebrada todo domingo, às 11:00 na igreja de N. Sra. do Rosário dos homens pretos, na Campina. Podemos participar, conhecer. E depois permitir que os frutos sejam sentidos em nossas vidas e comunidades. Não se trata de um retorno ao passado, mas buscar na experiência histórica da Liturgia Católica inspiração para bem celebrarmos a nossa Liturgia atual.

- CONCLUSÃO

 Por fim, tenhamos grande amor a Liturgia, não permitamos que façam da Liturgia da Igreja uma brincadeira, uma salada de frutas, uma aberração. Temos na Sagrada Liturgia o grande tesouro de nossa Fé. Preservemos esse tesouro intacto. Essa preservação passa pelo processo de conhecimento, de formação, busquemos conhecer o que a Igreja ensina. Permitamos e façamos com que Cristo seja, de fato, o centro de nossas Ações Litúrgicas. Como conseqüência disso, iremos experimentar o fortalecimento e reavivamento de nossa Fé. Nos preparemos bem, para viver esse Ano da Fé e sejamos, também nós, porta vozes dos ensinamentos do nosso amado Santo Padre, que busca, com sinais concretos e ensinamentos constates, levarmo-nos todos em direção a Cristo que é o Centro de nossa Liturgia e deve ser sempre o Centro de nossa vida.
Que assim seja!

Fonte: Tridentina.blog. com

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