MARIA GORETTI: O DIREITO DE SER VIRGEM


Numa época como a atual, em que os costumes neopagãos e a sensualidade atingem um auge, a Providência Divina suscita, para exemplo da juventude, admirável Santa mártir da pureza

"É preciso, antes de tudo, ensinar à juventude masculina que a castidade e a continência não somente não são prejudiciais, mas, pelo contrário, são estas as mais recomendáveis virtudes sob o ângulo de visão puramente médico e higiênico".

Esta afirmação, assinada por 260 médicos participantes da Conferência Internacional de Profilaxia Sexual, reunida em Bruxelas, despertou vivo interesse em um leitor, que nos pediu que apresentássemos os traços essenciais da vida da mártir da inocência, pois, segundo ele, estimularia os adolescentes de ambos os sexos a praticarem a castidade.

Sua vontade identificava-se à dos pais

Maria Goretti nasceu perto de Corinaldo, em 16 de outubro de 1890, na costa italiana do Mar Adriático, em um casebre com dois cômodos e uma cozinha, onde viviam o casal e seus quatro filhos.

Era uma família pobre e honrada. O chefe era daqueles que, se visse a pequena plantação se perder por alguma intempérie, exclamaria "bendito seja Deus!", e, virando-se para a esposa, completaria: "Deus nos quer muito, quando assim nos prova". Ato contínuo, correria ao campo para disputar os grãos que pudessem ter sobrado, com o mesmo ânimo de sempre. Se nesse ínterim ouvisse as badaladas do sino da igreja, ele se ajoelharia e rezaria piedosamente o Angelus.

Marietina, como era conhecida Maria Goretti, absorveu tudo quando de bom havia nesse ambiente cheio de fé, e já aos sete anos chamava a atenção pela sua discrição, laboriosidade, e sobretudo pela obediência, da qual nos dá uma amostra viva quando o pai resolve abandonar as inférteis terras que possuía. ± mãe que perguntara se lhe agradaria a mudança, deu a seguinte resposta: "Por que não? Se meu pai e a senhora querem, também é agradável a mim".

Assim, levando a alegria de serem amados por Deus, partiram, em outubro de 1897, em direção a Roma. Primeiro para Colle Gianturco (próximo de Genazzano), onde se associaram à família Serenelli, e finalmente para o Agro-romano, "país da morte", assim chamado porque era uma região alagadiça e com suas doenças próprias, embora fértil. Seus novos vizinhos -- uma dúzia de casas -- eram gente simples, e em geral ignorantes, mas religiosos. A fé e a esperança do Céu os sustentava em sua pobreza. João Serenelli e seu filho Alexandre, que os acompanharam, passaram a compartilhar o mesmo teto dos Goretti. Nem sequer teriam casa própria.

Na localidade havia apenas uma capela, geralmente sem padre, e para ir à Missa eram necessárias duas horas de caminhada. Não havia inclemência do tempo que fizesse os Goretti retrair-se no cumprimento do preceito dominical. Maria era a primeira a entrar na igreja e a última a sair; via-se que era uma menina inclinada às coisas do Céu e de Nosso Senhor.

Nos novos domínios a pobreza se tornou mais tolerável, apesar de a família ter recebido mais dois membros. Entretanto, em 1900 a malária veio ceifar a vida do pai. Diante desse inesperado, a menina viverá serena e conformada, mas seu semblante atraente terá sempre a marca da seriedade e da preocupação. Nessa oportunidade fez o propósito de agüentar a vida com todas as suas amarguras, e jamais se queixar.

Assumpta, a mãe, todos os dias após o jantar contava -- e também cantava! -- aos filhos, para formá-los e fazê-los felizes, coisas boas e, também, lendas populares ou vidas de Santos, que eram narradas de forma seriada.

Não podia viver sem Jesus

A nova vida que Marietina levava, agora sem o pai e com apenas 10 anos, era a de uma governanta da casa: levantava-se com a aurora, rezava, acordava e lavava os irmãos e os fazia rezar, sempre de joelhos. Preparava as refeições, lavava a louça, limpava a casa, costurava. Quando, no final do dia, adormecia de um sono profundo e casto, a mãe deitava-se em uma cama ao lado, e lhe parecia dormir em companhia de um anjo.

Em uma das idas à igreja perguntou quando faria a Primeira Comunhão, acrescentando que queria "receber Jesus". Ouvindo a explicação de que a pobreza não lhe deixava tempo para aprender a ler e estudar a doutrina, comentou com muita mansidão: "Mãezinha, mas a este passo não vou poder comungar nunca. E eu não quero estar sem Jesus. Não posso viver sem Ele!"

Afinal, na festa de Corpus Christi de 1902 ela consegue realizar seu sonho: receber Nosso Senhor. Naquele dia ela foi a rainha da aldeia. Todos a admiravam, felicitavam e abençoavam.

Luta para preservar a pureza

Alexandre Serenelli, com 20 anos, um dos moradores da casa, ao invés de dar graças a Deus pelo ambiente cristão que ganhara, tomou-se de paixão por Marietina. Reconheceu depois que uma das causas foi seu gosto pela literatura violenta e sensual. Forçou um primeiro encontro no campo. Maria, ao ver o seu olhar, percebeu uma luz sinistra e perguntou por que ele a olhava assim.

- Porque te quero - foi a resposta.

- Minha mãe também me quer, mas nunca me olhou com esses olhos.

Apesar de Alexandre ter usado a força, ela conseguiu defender-se com coragem e fugir, mas recebeu a ameaça de que seria morta caso contasse algo. A isto se juntaram os maus tratos inescrupulosos do rapaz, que junto com seu pai mandava na casa dos Goretti, pois eram os únicos homens.

A segunda tentativa não tardou muito; foi quando sua mãe a enviou a fazer compras na cidade. Novamente, lutando com valentia, conseguiu desvencilhar-se do inimigo e partir correndo para casa, onde recebeu severa repreensão da mãe por não ter trazido as encomendas que fizera. Diante de tal situação, ajoelha-se e suplica: "Castigai-me, não farei isso mais; mas não me façais ir agora. Não posso. Crede-me, mãe".

Essa segunda derrota levou Alexandre a decidir-se pelo crime: "Sua presença desde então me humilhava, e meditei o modo de vingar-me".

O silêncio de Maria escondia a terrível luta que estava desencadeada em seu interior: o medo de perder a felicidade da inocência ou a vida, ou as duas coisas, sem nada poder dizer. Em sua candura, para proteger seu corpo, encomendou à costureira da cidade um colete longo e grosso com muitos reforços, para ser entregue dentro de uma semana, sem falta, o que levou a costureira a comentar que ela deveria mandar fazer, de uma vez, uma couraça. Mas o crime se daria no sábado, véspera do prazo.

"Consente ou te mato"

Era o 5 de julho de 1902. Todos começam a voltar ao trabalho, depois do descanso do meio-dia. Aflita, Maria tomou o braço da mãe, suplicando que não a deixasse só, e recebeu um empurrão, porque esta imaginara ser apenas um capricho. Vendo que ninguém a compreendia, pegou a camisa que o seu perseguidor deixara e começou a remendá-la, sentada no alto da escada, na entrada da casa, em um lugar que a mãe pudesse ver de longe.

Alexandre esperou todos saírem; teve a frieza de fazer com que Assumpta se afastasse mais da casa, emprestando-lhe a carroça de bois sob o pretexto de que precisava fazer algo, e se dirigiu à moradia para executar seus pérfidos planos. No caminho, encontrou seu pai estirado sobre a palha, com febre, e alegrou-se, porque ele "estava fora de combate".

Ao entrar na casa, Maria estava costurando sua camisa no alto da escada, e pôde ver o terço enrolado em sua mão. Ato contínuo se dirigiu ao seu quarto e chamou por ela. Como não foi atendido, arrastou-a para dentro e trancou a porta. Ela resistiu, defendeu-se com ponta-pés, mordidas, e arranhões, gritando: "Não, não, não! Não me toques... É pecado. Leva ao inferno. Deus não quer... É pecado".

Para abafar os gritos, Alexandre tapou-lhe a boca com um lenço e ameaçou-a com o punhal: "Consente ou te mato". "Não, não, não! É pecado. Deus não quer". Foi a resposta firme, e que era a sentença de morte.

Ao ver que os golpes abriram suas vestes e aparecia seu corpo virginal, deixou de defender-se para proteger as partes expostas. As punhaladas de tal maneira atingiram-lhe o corpo que, quando os médicos tiraram a roupa para os primeiros curativos, saíam grudados nela pedaços de carne e de intestinos. Ela suportava heroicamente tudo, sem se queixar.

O exame cadavérico posterior constatou 14 perfurações, uma contusão e 3 equimoses.

Maria Goretti foi um modelo de jovem católica. Em seus funerais, a multidão que desejava vê-la era tanta, que desfilava sem poder parar, e à vista da menina, quase já rodeada de uma auréola sobrenatural, prorrompia em lágrimas e seguia silenciosamente seu caminho.

A misericórdia de mãe

Alexandre recebeu em 1902 a pena máxima de 30 anos, sendo nos três primeiros incomunicável, transformado-se no simples número 3142 do cárcere. Trinta e cinco anos depois, voltou a Corinaldo para pedir perdão a Assumpta. Fê-lo de joelhos e ela o perdoou dizendo que, como Maria já o havia perdoado, não poderia agir de outra maneira, e recomendou que todos da família o atendessem bem. Era Natal de 1937; comungaram juntos. Alexandre confessa que naquele dia compreendeu toda a secreta beleza da Noite de Natal.

A glorificação

Maria Goretti foi beatificada em 27 de abril de 1947. Três milagres comprovados ensejavam sua solene canonização, em 24 de junho de 1950. Durante a cerimônia, feita pela primeira vez na praça de São Pedro, a multidão, estimada em 400 mil pessoas, aclamou a nova santa de uma maneira incontenível. Quando apareceu o estandarte com uma pintura de Maria Goretti, as exclamações atingiram um clímax.

Estavam presentes 13 Cardeais, 122 Arcebispos e Bispos, todo o Corpo Diplomático e autoridades civis.

Durante a homilia o Papa Pio XII perguntou se todos os jovens estavam dispostos a defender sua pureza. Um ensurdecedor "sim" foi a resposta.

Assumpta assistiu à cerimônia junto a uma janela, num prédio próximo à praça de São Pedro. Alexandre, como penitente, estava em seu retiro de Ascoli. Tocado por tudo o que se passava, entendeu que deveria aumentar ainda mais suas penitências e sua vida de oração.

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Fonte de referência:

Tomás de L. Pujadas, C.M.F. -- Yo maté a Maria Goretti - Relación de Alejandro Serenelli, contrastada con las declaraciones de la madre de la santa -- Graficas Claret, Barcelona, 1951, 2ª edição.

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